segunda-feira, 23 de agosto de 2010

AO PÚBLICO QUE ELE QUER - POR NICOLAU AMADOR/ JORNALISTA


“Se eu aprendi algo ao longo dos anos foi dar ao público o que ele quer, senão ele nunca mais vai querer nada de você.” Uma associação de pensamentos me fez lembrar a fala de Bad Blake, personagem de Jeff Bridges no recente filme de Scott Cooper “Crazy Heart”, quando Vitor Ramil tocou “Estrela, Estrela” e “Joquim”, seus maiores sucessos de carreira, no bis do show que fez na última sexta-feira ao lado de Marcos Suzano em Belém.
A não ser pela tendência um tanto folk de seu estilo, marcado pelo violão Martin e pela influência de Bob Dylan, Vitor não se parece muito com Bad Blake. Apesar da sua fala benevolente, o personagem de Bridges trai a confiança de seus fãs. Depois de dizer que vai dar ao público o que ele quer e oferecer sua música mais famosa ao casal na primeira fila, sai do palco e deixa o músico acompanhante cantar e tocar 99,9% da canção, enquanto ele vomita nos fundos do clube de boliche.
Ao contrário de Blake, Vitor é um exemplo de cuidado e respeito a seus fãs. Uma relação de cumplicidade pouco usual em qualquer relação hoje em dia. Antes do show, no camarim, a dois metros do próprio Vitor, fui anunciado ao produtor dele como um jornalista querendo uma entrevista. Fui tratado com cuidado como o próprio Vitor o fez em todas as vezes que o entrevistei há anos. O produtor me perguntou apenas quanto tempo eu precisaria. Como disse que gostaria de falar sobre o disco novo ele foi consultar o cantor enquanto aguardei pacientemente no corredor dos bastidores do Teatro Margarida Schivasappa.
Vitor pediu que a entrevista acontecesse após o show. Para que ele não falasse demais antes da apresentação, momento em que aquece a voz, e para respeitar Suzano, já que o repertório de Satolep Sambatown não inclui músicas do recente Délibáb. Ver/ouvir Vitor e Suzano perfeitos em cada nota durante o show comprova que a justificativa é nada mais do que coerente.
Exatamente às 21 horas, como anunciado na imprensa e nos cartazes, Pedrinho Cavalléro fez a abertura do show acompanhado do percussionista Bruno Menezes. Com um set correto e competente, Cavallero arrancou aplausos carinhosos a cada música. Tecnicamente perfeito nas composições e na execução.
Mas o que o público paraense queria mesmo era ver pela primeira vez, depois do lançamento de Satolep Sambatown, Vitor e Marcos Suzano em ação ao vivo. (Os dois tocaram juntos em Belém antes da gravação do disco quando ainda estavam experimentando as novas sonoridades, antes de 2007.) E, de casa cheia, a dupla não decepcionou os fãs. Coerente e sem fazer concessões artísticas Vitor e Marcos Suzano desfilaram por canções do disco que gravaram juntos em 2007, além de canções de Tambong (2000) e Longes (2004), incluindo ai regravações de outros discos. Além de “Grama Verde”, “A Ilusão da Casa” e “Não é Céu”, nenhuma outra das 16 canções executadas antes do bis poderia estar presente em uma lista das “mais pedidas” do repertório do cantor. Mesmo não sendo canções tão conhecidas, um dos presentes no público gritou, quando Vitor perguntou qual era a próxima música: “Neve de Papel!”. E Vitor respondeu em meio em tom de brincadeira: “Como você sabe? Nem a gente sabe o roteiro direito.” Parecia combinado, como um espetáculo de mágica onde o voluntário é na verdade parte do show. Vitor tocou “Neve de Papel” e não era exatamente um pedido atendido.
Pude ver algumas fãs cantando como se estivessem dublando às avessas o cantor, repetindo os versos com movimentos labiais, sem emitir som. Certamente para não atrapalhar a própria execução de Ramil. Quando alguém tentou puxar palmas, elas duraram pouco e tentaram se enquadrar aos compassos sincopados de Suzano. Na verdade, a relação de Vitor com seu público paraense é de cumplicidade

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